O triste fim do ídolo Jaburu

Carioca de Madureira, o atacante (D) teve passagem meteórica e brilhante pelo América. Levado por Yustrich para o Porto, onde teve como companheiro o ex-atleticano Gastão (E), foi campeão português e ídolo. Mas não soube conviver com a fama e terminou seus dias na miséria.
 
Histórias de jogadores que viveram grandes momentos na carreira e acabaram a vida na sarjeta não são raras. O caso do atacante Jaburu, que trocou, em1955, o América pelo Porto, onde foi ídolo,é mais um exemplo para os jovens que começam a realizar o sonho de ser jogadores de futebol com o objetivo de dar melhores condições de vida à família.

Jorge de Souza Mattos, o Jaburu, começou na base do Fluminense, transferiu-se para o Olaria e veio para o América a pedido do técnico Yustrich. Em 9 de janeiro de 1955, o Estado de Minas o anunciava como atração do amistoso contra o Democrata-SL (1 a 1), na Alameda: “Entre os alviverdes, destacando dois elementos. Além de Nascimento, também Jaburu, com seus quase dois metros, estará em ação contra os sete-lagoanos”. O atacante foi um dos melhores em campo.

A cada atuação, ele ganhava projeção e elogios da imprensa. Em 6 de abril, na Alameda, o Coelho disputou amistoso com o Vasco, que venceu por 2 a 1. Mas o destaque foi Jaburu, autor do gol americano, depois de matar a bola no peito e dar um lençol em Eli do Amparo. Em 3 de junho,contra o Flamengo, no mesmo local, o ídolo deixou sua marca na vitória por 2 a 1, depois de driblar vários adversários. Outro grande gol foi diante do Cruzeiro, em 24 de julho, um domingo, quando o Coelho ganhou por 2 a 0: “Portentoso gol de Jaburu, o grande lance da partida” foi a manchete do EM, na terça-feira (o jornal não circulava às segundas-feiras).

Em 29 de julho, o EM anunciava: Yustrich, que trocara o América pelo Porto, havia enviado telegrama ao clube mineiro pedindo o valor do passe do “Gigante Negro”. Apesar do interesse português e, posteriormente, também do Vasco, Jaburu continuou jogando e fazendo gols pelo América. Somente em 14 de agosto, o jornal divulgava que o jogador, que custara ao clube mineiro 5 mil cruzeiros, fora vendido ao Porto por 700 mil cruzeiros e receberia 100 mil cruzeiros de luvas e salários de 20 mil.

Jaburu, aos 22 anos, estreou pelo Porto em 25 de setembro, no 1 a 1 com o Belenenses, no antigo Estádio das Antas. Em sua primeira temporada portuguesa, marcou 21 dos 77 gols da equipe, campeã depois de 16 anos. Lá, ganhou outro apelido: “Flecha Negra”.

Gastão, comprado ao Atlético, um mês antes, por 150 mil cruzeiros, foi companheiro do ex-americano. “No penúltimo jogo do campeonato, vencemos o Sporting por 3 a 1 e foi a maior consagração popular que vi a um atleta profissional. Jaburu marcou dois gols e, num deles, coroando sua atuação sensacional, driblou toda a defesa adversária. Tinha um estilo diferente, chutava com os dois pés e era frio ao extremo”, relembrou, na edição do EM de 22 de outubro de 1972.

A DECADÊNCIA - Nessa época, o antigo ídolo havia sido encontrado na miséria pelas ruas do Rio. “De ídolo a mendigo, toda a história de Jaburu, um craque” era a manchete do EM. “Um mão aberta por natureza e rodeado de falsos amigos que tomavam tudo dele”, definiu Gastão. “Só Yustrich conseguia domá-lo. Mas os outros treinadores, mesmo sabendo que ele era a maior estrela da companhia, não ligavam para nada. ”O Homão foi substituído no Porto por outro técnico brasileiro, Flávio Costa, que chegou a dizer à diretoria para negociar o atacante, porque não seria babá de jogador.

Passista da Mangueira, Jaburu começou a participar de shows particulares com o objetivo de angariar fundos para instituição de caridade. Também faturava muito com publicidade e outros negócios, como ceder o nome para diversos produtos. “Era realmente um jogador de qualidades, um senhor craque de futebol. Um atleta possante, inteligente, com 1,85m e pernas fortes, coisa rara para um ponta de lança”, definiu Yustrich.

Jaburu foi vendido ao Celta de Vigo, em 1959, mas uma contusão na coluna vertebral o impediu de repetir na Espanha as boas atuações no outro país ibérico. Voltou a Portugal para defender o Leixões. Lá, chegou a ser internado como indigente e foi mandado de volta a seu país pela embaixada brasileira.

Em outubro de 1972, Jaburu vivia com a mãe em uma casa velha, comprada pelo irmão Henrique (que jogara no Fluminense e no Nacional-URU com o apelido de Jaburu II), mas sem água e energia elétrica, por falta de pagamento. Assim, preferia passar o tempo na delegacia de Madureira, onde sempre conseguia algum dinheiro. Também não largava a velha caixa de sapatos com recortes de jornais da época de sucesso, talvez uma tentativa de se ligar ao passado glorioso.

“Com 39 anos, tem aspecto de 70. É mendigo e viciado em bebida e até entorpecentes. Desde o dia em que foi descoberto por Gradim, para assinar contrato com o Fluminense, até hoje, Jaburu viveu várias fases, subindo e descendo, servindo como exemplo para muitos jogadores novos que estão começando agora”, descrevia o texto, sob o título “Jorge está caído e bêbado”. Ele morreu na miséria, em data não registrada pela imprensa.

Fonte: Jornal Estado de Minas de 20/10/2010, texto de Eugênio Moreira.